A lama ainda preocupa e estarrece

Correu pouco mais de um ano desde o celérrimo fim da tolerância de uma barragem da Samarco ao conteúdo que encerrava. E para que entendamos a relevância do curso de como o governo e a iniciativa privada tomaram a dianteira do caso, é estimável que, se a fluidez temporal dependesse do regime embasador do reordenamento do que saiu do lugar pela força da onda de lama, a distância à qual todo o contingente humano afetado sofreria deslocamento em relação ao instante exato do desastre atingiria no máximo um mês.

No primeiro não celebrável aniversário do insucesso ecológico e social de raízes na cidade mineira de Mariana, marcou presença a mobilização cultural de estudantes da saudosa Escola Municipal Bento Rodrigues expondo trabalhos escritos, iconográficos e cênicos de onde vem um esforço visando preservar memórias das antigas instalações do colégio na comunidade homônima, tudo levado pelo tsunami residuário impiedoso sem a opção de marcha a ré. A fatia infanto-juvenil daquele povo expressou uma dedicação a esta forma de solidariedade com todo o coletivo muito grande para o quão especialmente tal faixa demográfica pode entender as discordâncias entre a esfera pública e o grupo empresarial responsável pela barragem com base no relativo consenso de ser importante a contínua disposição à assistência às localidades que os rejeitos atravessaram deixando desafios imediatos e a longo prazo, em meio à qual são obscurecidos segundos interesses que "não seriam da conta" dos carecentes de atenção nivelada com sua hodierna realidade.

Todo o agrupamento populacional que a volumosa massa de rejeitos minerários foi personagem da exagerada ousadia da avalanche na abertura de sua jornada destrutiva. Após a massa de lixo químico industrial matar 19 pessoas, compreendendo trabalhadores no manuseio da barragem Fundão impossibilitados de fugir do inimigo porque estavam em cima e ao redor do mesmo e alguns habitantes do Bento, também não poupando nada capaz de conservar o distrito inserível e localizável em qualquer mapa, não se podia descartar que mataria praticamente todo o rio Doce, justo um dos mais importantes lá no Sudeste, e o meio ambiente subordinado a ele, fazendo falta o íntegro conjunto para um imenso agrupamento demográfico abrangendo cidades e regiões campestres de Minas e Espírito Santo, cujo litoral se tornou a foz da sujeira.

Danos estes até hoje não estimados, sendo certo que no panorama das áreas lesadas conhecido pela vista de quem esteve lá em curto período e dos que se depararam com imagens televisivas ou fotos na mídia escrita (impressa e virtual) não cabem as reais dimensões estimáveis para o desastre. Uma análise bastante atenta a todos os detalhes fundamentais do episódio em que atuem profissionais (entendidos em áreas científicas como biologia e química) com mentes previamente adequadas ao método científico é a saída, melhor se sua providência for cobrada aos provocadores das mazelas. À Samarco foi pedido em nome do Ibama esse favor, mas prossegue como obstáculo à mensuração dos danos pelo instituto ambiental a falta de dados por conta da inércia da mineradora.

Sem a radiografia do destroço, quaisquer levantamentos de fundos para sua prometida mitigação se encaixaria com alguma falha nos custos atribuíveis. O tanto de cascalho que muitos ofertam para ressarcir as avarias dentro do possível sem a companhia de concretos planos sobre o que, como e a que prazo consertar, por sua prevista ineficácia, foi uma das condutas pós-tragédia alvos de contestações por especialistas consultados pelo Estado de Minas.

Se delineia com isso primeiramente o perfil moral dos valores que norteiam os feitos da Samarco perante quem lhe presta serviços, compra seus produtos e/ou tem suas instalações como vizinhas. Se lixando também para o interesse, sem dúvida maior que o seu, de outras organizações e indivíduos interessados em pôr o máximo viável das coisas no lugar, a firma extratora e beneficiadora mineral muda sua forma para uma incabível nos critérios de aceitação social com base na prudência de sua caça ao lucro, embora o acato de decisões para condicionar os empreendedores e certa parte do staff braçal a todo o peso da lei seja outro problema.

O comprometimento de tal sociedade privada com as medidas assistenciais pelo menos em um nível de obrigatoriedade razoavelmente justificável por sua culpa é demonstrado escasso pelos 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos ainda presentes nas zonas enlameadas dispostos a transportes pluviais rumo ao já bastante escarnecido rio Doce, mesmo com o plantio de grama sobre solos contaminados (dificilmente propícios à sobrevivência dos vegetais) e o estabelecimento de diques pela firma. Do pouco que é visível sinalizando lealdade sua aos acordos celebrados com a União e gestores públicos mineiros e espírito-santenses, o talvez melhor exemplo foi o apoio à construção de uma adutora para atenuar as barreiras impostas ao suprimento hídrico de Linhares (ES) depois que o supracitado rio tornou-se insalubre. Metade das pressões ao rio Pequeno para atender à cidade passou a ter, no corrido dia 11, novo escopo na Lagoa Nova, de onde parte a encanação medindo nove metros de comprimento, construída entre julho e outubro depois de um acordo em junho entre a companhia de mineração, a prefeitura e o Ministério Público Estadual do Espírito Santo, até uma estação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).

Às mãos dos poderes legalistas fica autorizado o exercício de um demasiado peso sobre os participantes causais na catástrofe em consequência disso tudo e, mais importante, de suas posturas imprudentes no manejo com segurança da barragem, o que, transcorrendo sob os padrões necessários, não daria origem a este indigno cenário. Sua parte o IBAMA andou fazendo mediante o endereçamento à Samarco de numerosas multas na casa das centenas de milhões de reais, a respeito das quais medida alguma a empresa toma, nem elas servindo para despertar sua consciência do torpor lucrocêntrico. Apesar de se manifestarem com deprimente despudor, as negligências da planta de mineração têm por circunstância amiga a possível insegurança na tomada de atitudes contra a instituição econômica no sentido dos impactos previstos para o seu funcionamento e, assim, a estabilidade empregatícia regional, mesmo não tendo os empreendedores se preocupado com o tópico segundo a atenção deles recebida pelas normas de resguardo à saúde e bem-estar públicos e à natureza.

Aceita pela Justiça da cidade mineira de Ponte Nova a denúncia dirigida à Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR Gestão Hídrica e Geotecnia, assim como a 22 pessoas intrínsecas às empresas, expostas desse modo ao risco de júri popular e mais de 50 anos de cadeia, abre-se oportuno vácuo temporal a terminar com o julgamento e, enquanto não raia o dia, ser suprido por meio do implante de garantias aos trabalhadores de provisórios amparos em caso de eventual desemprego e facilitações à vinda de novos postos ocupacionais, providências protetoras da isenção no decreto da sentença. Lidar com o maior desastre socioambiental ocorrido em nossas terras nacionais é de uma honra merecedora de muito bom proveito na tomada de medidas que dificultem bastante a reprise de tão danosos fatos, num presumível aproveitamento aperfeiçoado paradigma exposto pelo governo da Hungria em sua reação a problemas congêneres que surgiram após a ruptura de uma barragem para detritos da Magyar Aluminium (MAL) em 4 de outubro de 2010. As dez mortes e as lesões físicas e danos patrimoniais com que a lama vermelha cáustica brindou muitos moradores da cidade de Ajka (sede do reservatório) e povoações adjacentes no condado de Veszprém teriam atraído exitosas atitudes governamentais contra um prolongamento de seus efeitos e distanciadoras da chance de isso se reproduzir. Mesmo resumida a efêmeros dias sucedentes à tragédia, a prisão de Zoltán Bakonyi, na época um diretor da MAL, tem enorme preço perto do desconhecimento prático da rotina carcerária ainda vigente para os indutores do mar de lama brasileiro, junto à tomada da mineradora pelo Estado europeu. Ditas práticas deixaram à entidade o que ainda lhe era de direito por sua negligência com a prevenção do acidente. Ou seja, o que em seu patrimônio não foi afetado pelas dívidas que contraiu sendo abandonada por investidores e também por conta do que o governo cobrou dela para mitigar os estragos, compromisso seguido superiormente à risca em relação a tentativas de suturar as feridas relativas ao lamaçal em Minas e no Espírito Santo. Sinalizam isso relatos midiáticos produzidos pela mão-de-obra e na língua locais, tábua de salvação perante o foco da grande imprensa internacionalista sobre os desenrolares imediatos do acidente húngaro, dando conta de que em dois anos as terras arrasadas já haviam se recomposto, espectativas de impossível alcance, indo além dos atuais "passos" de lesma característicos das tarefas, por aqui.

Além de faltar pulso firme o suficiente para o exercício de eficaz pressão sobre quem ficou comprometido a arcar com o reparo da bagunça da Samarco, o evento e seus subprodutos aproximaram ao conhecimento público a candidatura de diversos pontos no solo mineiro a sede de novos dramas com magnitude análoga, em quantidade que, alheia ao desejo comum, se elevou desde a onda lamacenta partida de Mariana. A ordem emitida em maio pelo governo estadual para que fossem interrompidas obras de "alteamento a montante" em barragens (técnica usada em Fundão) até a consolidação de normas abrangentes para as particularidades destas estruturas (envolvendo, por exemplo, uma presumível tendência à incompletude em sua segurança partida do uso dos próprios rejeitos, não servíveis nem aos processos de beneficiamento mineral) não se apossou tão intimamente das consciências dos gestores de 37 abrigos para resíduos. Estas pessoas juntam-se às atuantes na operação de outros sete reservatórios fora do perfil ideal para um funcionamento seguro, respondendo todo mundo por 44 construções sem garantia de estabilidade que constituíam nove a menos no ano passado, progresso que o efetivo fiscalizador da gestão estadual não conseguiu barrar tendo a ele adicionados apenas dois funcionários.

Por todo o tempo em que permanecer onde está, o montante de barro valerá como um elemento paisagístico atrativo a reflexões dos observadores acerca dos fatores correlatos a seu surgimento. Trata-se de uma chaga que se abriu e mantém sua grandeza pela força da indulgência para com desvios de conduta de grandes empresas atrelado ao tenro interesse público na flexibilização da economia e melhora dos sistemas de ensino e pesquisa tecnológica a fim de elevar a cifra de indivíduos capazes de abrir e manter negócios inovadores que dificultassem as ambições dominantes de seletas confrarias.

(Reproduções:
http://www.artigos.com/artigos/22038-a-lama-ainda-preocupa-e-estarrece

http://www.douradosnews.com.br/noticias/a-lama-ainda-preocupa-e-estarrece

Referências:
http://www.otempo.com.br/mobile/cidades/acordo-amplia-benef%C3%ADcios-de-demitidos-pela-samarco-1.1401073

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/18/interna_gerais,824885/justica-acata-denuncia-contra-indiciados-pela-tragedia-de-mariana.shtml

http://www.otempo.com.br/mobile/cidades/dano-imensur%C3%A1vel-e-sem-freio-1.1394958

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/02/interna_gerais,820314/tragedia-de-mariana-completa-um-ano-e-em-refaz-caminho-do-desastre.shtml

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/05/interna_gerais,821310/criancas-bento-rodrigues-abrem-exposicao-de-memorias-com-goleiro-fabio.shtml

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/06/interna_gerais,821363/historias-surgidas-da-lama.shtml

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/05/interna_gerais,821161/minas-tem-44-barragens-sem-seguranca-atestada.shtml

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/05/interna_gerais,821164/especialistas-cobram-medidas-eficazes-contra-desastre-de-mariana.shtml

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/11/05/interna_gerais,821163/mp-quer-banir-barragens-semelhantes-a-que-rompeu-em-mariana.shtml

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/10/25/interna_gerais,817589/atraso-de-obras-para-conter-rejeitos-de-mariana-preocupa-ibama.shtml

http://www.linharesemdia.com.br/noticias/geral/25914-linhares-recebe-adutora-alternativa-de-agua-na-lagoa-nova.html

http://www.sitedelinhares.com.br/noticias/geral/obras-do-novo-ponto-de-captacao-na-lagoa-nova-estao-prontas-e-adutora-entra-na-fase-de-testes

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-09/retomada-da-samarco-e-possivel-e-desejada-por-minas-gerais-afirma-coelho-filho

http://mobile.valor.com.br/empresas/4711357/ministro-defende-retomada-das-atividades-da-samarco

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/09/ministro-diz-que-acredita-em-retomada-de-operacoes-da-samarco.html

http://www.eshoje.jor.br/_conteudo/2016/08/noticias/geral/42575-samarco-inicia-construcao-de-adutora-de-agua-em-linhares.html

http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2016/06/noticias/norte/3953539-samarco-assina-acordo-para-construir-nova-adutora-em-linhares.html

http://www.tribunaonline.com.br/samarco-tera-de-construir-adutora-para-abastecer-linhares/

http://nepszava.hu/cikk/356642-ujra-szabadlabon-a-mal-vezerigazgatoja

https://veol.hu/vorosiszap/szabadlabon-bakonyi-zoltan-1326676

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https://hu.m.wikipedia.org/wiki/Ajkai_v%C3%B6r%C3%B6siszap-katasztr%C3%B3fa
D
http://www.origo.hu/itthon/20151002-vorosiszap-katasztrofa-halalos-aldozat-buntetoper-karterites.html

http://www.origo.hu/itthon/20151003-kolontar-ajka-devecser-vorosiszap-vorosiszap-perek-mal-zrt.html

http://www.origo.hu/kornyezet/20121003-mi-okozta-a-vorosiszapkatasztrofat-devecser-kolontar-ajka-2010-oktober-4.html)

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