Corrupção da cultura e vice-versa

O usufruto por governantes de brechas para autopromoção na política é nova manifestação cultural bem consolidada, ainda que não exercida livremente por não ter esse reconhecimento no meio legal. Um tipo de conclusão próxima da realidade sobre os desvios de recursos arrecadados indiretamente com a Lei Rouanet para propósitos desvinculados, ao menos no sentido público, à cultura e a suspeita postura de recursos da Petrobras em caminho inverso, rumo a despesas de Carnaval. Fatos estes constituindo tratamento subumano a todos nós, ressalvando-se, porém, que coincide com atitudes ascendentes entre parte das massas no proveito de suas benesses sociais e também do espaço que o hoje mais generoso Estado lhes cede para escolher representantes.

Nem precisava, face ao papel firmado de mercenários do entretenimento, determinados a desfalcar os limites saudáveis para álcool, sexo e outras práticas durante as temporadas de Carnaval, na remoção dos atributos que legitimamente integram os festejos à identidade cultural brasileira. Mas a praga da corrupção tem sua vez até no angariamento de fundos às "concretas" boas-vindas a cada novo ano, apesar de nas ocasiões ter espaço a crítica lúdica a ela. Os eventos carnavalescos arquitetados sobre barganhas antiéticas exibem muito bem definidos pontos de arraigamento para seus saldos negativos na ordem social.

Entre tantos acordos para troca de vantagens indevidas entre organizadores estaduais e privados por trás da folia na avenida capazes de ocorrerem a cada fevereiro nos mais variadamente conhecidos lugares deste país-continente, uma trama nestes moldes vem ao alcance da visão comum com a Operação Lava Jato. Dos impostos pagos por nós no consumo da vasta cifra de derivados diretos ou indiretos de petróleo para o implante no Rio de Janeiro de um centro de pesquisa desejável para a eficácia e segurança das mercadorias, parte tinha papel de combustível para os tamborins de escolas de samba de Porto Alegre, fazendo parte disto ainda como receptora uma madrinha de bateria e das reações positivas a eles um samba-enredo de culto à personalidade de quem dava esta mãozinha ao carnaval do centro político gaúcho, o ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira.

A mais complexa investida do Estado brasileiro contra galinhas de seu aviário que na verdade eram intrépidas raposas avançou o tanto que presenciamos com grande empuxo das delações premiadas, mais de 60. Alexandre Romano, ex-vereador e também emérito secretário de meio ambiente em Americana (SP), delatando Paulo e outros comparsas, entrara nesta ciranda a fim de converter seu encarceramente a nível certo para quem desrespeita a lei em recolhimento domiciliar, punição forjada aos olhos do povo que não priva o malfeitor significativamente de usufruir de benessas conseguidas sem absoluta honestidade e constitui atual status de muitos envolvidos na gigantesca pilhagem na Petrobras.

Romano não ocupava uma cadeira própria no Congresso Nacional, e jamais deverá, havendo de ser barradas suas eventuais tentativas mediante força menos complexa e por isso mais fácil de ser asseada, a escolha popular. A negação nas urnas de apoio a candidaturas possíveis de este sujeito abraçar na esfera municipal, estadual ou federal resta como obstáculo fixo a uma trajetória política quase plugada no alto escalão do PT e do governo federal como um todo contaminados pelas bandalhas em função de fraqueza no acervo financeiro americanense responsável por induzir o elemento a contatos com Brasília esperando ajuda para romper limites alegadamente fora do aceitável em diversos projetos.

Nosso custeio de eventos dentro de uma festa muito subsidiada pelo Estado independente do interesse de cada um se divertir até chegar a Quarta-Feira de Cinzas tem seu oposto num dos excêntricos rumos para que foram direcionados durante quase 20 anos R$ 180 milhões doados por empresas, com desconto no Imposto de renda, a princípio para atividades culturais reconhecidas pelo Ministério da Cultura como merecedoras de incentivo pela Lei Rouanet. Um dos membros do clã Bellini, que dominava o esquema, casou-se em chique cerimônia na área turística de Jurerê, em Florianópolis (SC) paga, de qualquer modo por uma enorme massa esquecida na hora da confecção dos convites – o povo.

Como já dito, o financiamento aos projetos culturais não procede diretamente dos cofres da União. Foi deles, contudo, desencaminhada grande monta de dinheiro correspondente às contribuições que investidores privados deixaram de prestar ao ter a oportunidade de apoiar iniciativas culturais que não saíam do papel. A celebração de início de matrimônio com público seleto e outras peripécias da quadrilha, envolvendo pessoas e empresas na área cultural e "apoiadoras" dos projetos destas, terão feito a diferença nos angariamentos governamentais de quantias de que necessitara o trabalho facilitador do acesso satisfatório a saúde, educação, segurança, infraestrutura urbana e rural e, claro, apoio a dotes artísticos que agreguem força a nossa consciência cidadã, para quem por si só não consegue nem o mínimo necessário destas assistências enquanto poucos aproveitam-nas com muito requinte. Não houve exposição dos infratores detidos em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal durante a Operação Boca Livre em 28 de junho a um clima gerador de remorsos pelos atos nos espaços dessas mentes ainda não anexads pela avareza, pois já estão quase todos de volta à sociedade. Este cano furado na lida judicial com o caso ainda deixou escorrer o sentido de um aprofundamento nas investigações mediante proveito da negativa pelo protagonista do casamento de tê-lo bancado com dinheiro da Lei Rouanet, apontando ser a autoria dos financiamentos da família da noiva.

Antes de vir à tona o esquema criminoso, a vulnerabilidade da Lei Rouanet a maus usos fora denunciada por captações controversas de pouco interesse judicial, mas perturbadoras sísmicas do universo cultural brasileiro. Cláudia Leitte, na tentativa de atrair vinténs para um livro de autopromoção, e Luan Santana, que teve intermediado pelo Ministério da Cultura o acesso a fortuna milionária gasta em shows, não titubearam em aproveitar vergonhosamente este benefício.

A batelada de shows e compromissos midiáticos e publicitários para que estes e similares cantores são sempre acionados os coloca quanto a seu impacto no uso desta benesse em panorama similar a pessoas que também se tornam famosas após a descoberta de que usufruem de programas sociais como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida complementando a renda pela qual levam vantagem em relação ao contingente para que foram projetadas as medidas assistenciais. Não há crise para tais ídolos, enquanto não contribuem para melhorar a solidez intelectual dos apreciadores, quando na verdade só declina, seguindo a fartura no bolso de muitos deles. Capacidade para degenerar a sabedoria popular teve, entre os dois ícones da música de massa, o "gurizinho de Jaraguari" (referência a uma cidade aqui no estado que Luan, natural de Campo Grande, costumava frequentar) em sua justificativa (ou de sua equipe de produção?) para obter os valores em espécie: "divulgar a raiz sertaneja".

Tanto tendo dito isto deliberadamente como por influências de administradores de carreira providos de imagináveis interesses funestos, o artista forçou a barra no estrago causado à mente do público há decadas com a nomeação confusa do gênero musical que "representa". Uma declaração nestes termos serve como banho de água fria para acordar um povo que se deixa manipular com a distorção da identidade da música sertaneja, assim como do forró e do funk. Quase tudo sob estes rótulos que se escuta hoje tem miúda (nas obras sonoras que têm) influência da música caipira, nordestina e negra norte-americana, respectivamente, à qual resta micro espaço nas canções, cujo resto é dominado por instrumentos eletrônicos, romantismo superficial (exceto no caso de muitos trabalhos de Luan Santana) ou louvores a uma vida com base na satisfação de prazeres impulsivos no campo sexual, etílico ou materialista. Da etiqueta que estas músicas recebem e do conteúdo estes valores corruptos fazem morada em muitos cérebros onde o conhecimento não tem força para afugentá-los, órgãos que assim fazem seus donos canalizar as más ideias para a prática, com possível atuação nas burradas durante a escolha de representantes públicos.

O pulso inconsistente de cidadãos e políticos dignos em reagir mais em atitudes que em opiniões à qualidade do pão-e-circo preparado por estes corruptores culturais torna a estes legítimos beneficiários do presente quadro social e governatício. Ao menos uma redução do apego a caricatos e por vezes perniciosos ideais político-artísticos é uma pródiga reação para conter o fogo ateado no substrato social convertido em circo por palhaços que se alegram com as inoportunas consciências.

(Republicação:
http://www.folhadedourados.com.br/noticias/brasil-mundo/reflexoes-sobre-o-brasil-corrupcao-da-cultura-e-vice-versa

Referências:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/06/policia-federal-faz-operacao-contra-desvios-da-lei-rouanet.html

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/06/envolvidos-na-operacao-boca-livre.html
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/06/28/Como-funciona-a-Lei-Rouanet-e-o-que-a-Opera%C3%A7%C3%A3o-Boca-Livre-descobriu

http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2016/06/casamento-celebrado-em-jurere-internacional-foi-financiado-pela-lei-rouanet-aponta-investigacao-da-pf-6236068.html

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/02/claudia-leitte-nao-recebera-quase-meio-milhao-da-lei-rouanet-para-biografia.html

http://g1.globo.com/musica/noticia/2014/08/minc-aprova-projeto-de-r-41-milhoes-para-turne-de-luan-santana.html

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/07/cheques-para-estado-maior-da-restinga-estao-sob-suspeita-6370288.html#showNoticia=eVFjTGlUNjo0NzYyNzkyMTIzMTYwMzc5MzkyY1xKMzk1OTU3MTk0MTA3NTQwMzE0MGtyJjQzMjk4MTc2MzgyODE2NzQ3NTJAYnM2YVo0NGE4QlEkeENVeUE=

http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/07/advogado-de-madrinha-de-bateria-a-relacao-era-estritamente-profissional-6420052.html#showNoticia=LlJGeT59VXczNTgyNjI0MTcwNjYxNDI5MjQ4JXg1MzQ5NTkxODA1ODEyNDgyMDg2OHxufDEwMjQ1NTg1MzQ4Mjc3MDQzMjBJRz1yYntJWH4saWFbbnF2JHg=

http://liberal.com.br/cidades/americana/falta-de-estrutura-em-americana-levou-romano-brasilia-391535/

http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/madrinha-da-bateria-recebeu-mensalinho-de-ex-tesoureiro-do-pt/

http://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/lava-jato-ja-fez-61-delacoes-premiada-prendeu-74-pessoas-e-apurou-r-64-bilhoes-em-propina/

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,delacao-na-lava-jato-ja-reduz-penas-em-326-anos,10000063321)

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