Inabalável apatia humana

Só mais um corpo e ficará completa a lista de famílias que terão como garantir honrado descanso a membros perdidos com a enxurrada assassina escapada a 5 de novembro de barragens residuárias minerais em Mariana (MG) após as mesmas não suportarem o conteúdo, resultando ainda em mazelas econômico-socioambientais. As mortes confirmadas acresceram para 18 após o encontro de um cadáver dentro de um caminhão (mais um funcionário que fazia reparos no depósito de rejeitos) em meio à lama nesta quarta-feira {1}. Corridos quatro meses, sequer esse tempo infiltrou nas cabeças das autoridades, por rejeição voluntária destas, o entendimento dos riscos alimentados por fracos e por vezes vendidos trabalhos fiscalizadores e penais. Prefeituras do interior paulista temem esse monstro contra o qual pouco podem sozinhas após ele se manifestar por lá em proporções menores ainda danosas.

As graves perdas pelo lamaçal infligidas a vidas, estruturas que permitiam determinado equilíbrio na interação dos elementos da natureza entre si e com os aproveitadores humanos e ao patrimônio material e histórico (ambos que o extinto distrito de Bento Rodrigues representava) virariam servente modelo para ações destinadas a afastar reprises da catástrofe a depender dos cidadãos, que residindo nos mais diversos lugares entenderam a tragédia como se ocorrida a sua frente. A ascensão para cargos de suprimento às demandas comuns em entidades públicas, ONGs e similares vem adversamente expondo os líderes a distorções nos ofícios que os apropriam para ser fontes de vantagens individuais, se pondo ditas ideias no lugar dos antepostos valores natos nas mentes de muitos eleitos (exceto os já nascidos em berços rodeados pelos provincianos conceitos).

Quando transcorreram inteiros três meses subsequentes ao maior desastre com sincronizado apelo social, mercantil e ecológico a ter o Brasil como substrato, vem a público diminuto fato análogo no interior de São Paulo. Sucedendo o 5 de fevereiro em que rejeitos de mineração de areia atingiram o rio Paraíba do Sul após vazarem de uma lagoa residuária em Jacareí {2}{3}, administradores de vários municípios colocam em xeque a efetividade dos trabalhos que as autoridades competentes desenvolvem, indo ao ponto de a governadoria de São José dos Campos sair à sua conta em busca da verdade sobre o vazamento (com o envio de representantes à área do ocorrido), e também cobraram uns dos outros forte controle da exploração minerária {4}, atitude descambada num encontro entre Câmaras Municipais integrantes do consórcio PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí) em Americana neste dia 3 buscando fortalecer os poderes internos para isso {5}. As dificuldades impostas aos setores populares e geradores de renda pelo corte no abastecimento hídrico oriundo da contaminação, infladas por sua extensão populacional (abrangendo sedes urbanas muitíssimo ocupadas por quem mora, trabalha, estuda ou esporadicamente se vale de serviços nesses locais, caso de Pindamonhangaba, Aparecida e São José dos Campos), são senhores motivos para que se interligue o tempo, dinheiro e energias fisiológicas e ambientais gastos em nome de significante causa com a materialização de efeitos a resultar das propostas em que têm descambado o foco no assunto.

O firmamento do funcional compromisso entre câmaras municipais, prefeituras, órgãos ambientais e ligados à mineração é uma necessidade levantada pela endemia de desacatos à lei marcante no ramo econômico. Não menos comuns são os tropeços não deliberados que as empresas extrativas dão como fruto do "lúcido" apelo a métodos de atuação obcecados pelo enriquecimento, sem abranger considerações em torno de seu preço a humanos e outros seres que dificilmente vêem a cor do ouro. A direção correta para o curso da retribuição às condutas das firmas errantes pelos aparatos punitivos foi por onde parte do Ministério Público seguiu no ano passado sob comandos de promotores responsáveis por ações judiciais que pediam até confisco de máquinas, bloqueio de bens e fechamento das más empresas.

É o que resta ser feito às empresas Mineração Meia Lua LTDA e Rolando Comércio de Areia LTDA caso mantenham-se de costas para seu papel socioambiental após levarem multas da CETESB {6}{7} com muito possível amparo no omisso uso pela segunda entidade econômica da lagoa que pertence à primeira e transbordara por sobrecarga de conteúdo, conivência não isenta de intencionalidade agravada pelo prévio impedimento estabelecido às operações da proprietária do recinto até que a mesma pusesse os documentos permissores em dia. Todavia ocorre de a tolerância nunca alcançar o zero em consequência de os empreendimentos terem combustível em espécie o bastante para malabarismos que lhes permitam se safar – em casos especiais atos muito simples para comprar cumplicidade de juízes, promotores e fiscais – e da fraqueza de alternativas empregatícias aos transgressores, embora a sociedade e os vigias da ordem pública entendam o pouco caso das companhias com tal motivo que as mantém. As relações de Mariana com a Samarco se pautam no segundo fator, o que se resume na máxima "ruim com ela, pior sem ela". Ao prazeroso lado da história colonial da cidade se justapõe o contemporâneo cenário de guerra que transpôs limites municipais e estaduais, unido a tristes previsões de que alguns efeitos da "ofensiva" podem se estender a um longo tempo caso os responsáveis sejam debandados de lá. Não são poucas as habilidades que nos condicionam a adquirir visão para nos orientar enquanto tentarmos fugir do tiroteio!

Mas a rota da deserção, do conformismo, é tudo a ser evitado por quem se cansou de estar sob ordens de um sistema que dispõe de meios para se livrar dos cidadãos honestos ameaçadores às paixões de muitos comandantes. Como se ainda não fosse calamitosa a mortalidade por vácuos na saúde e segurança, inclusive atolado em mares de lama o brasileiro segue propenso a morrer? A procura por contato frequente com coisas edificantes à moralidade na escolha dos caminhos a tomarmos segundo o impacto a que a sociedade fica exposta e a familiarização das novas safras de cidadãos desde a remota juventude com referido material é a forma de se virar este jogo para o lado que a todos beneficia, pois isso traz esperanças de termos futuros empresários e políticos para levar à ruina este enferrujado sistema no intuito de trocá-lo por uma estrutura autocoerente.

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