Shaolin: um brasileiro, um paraibano, um artista, um cidadão

É de conhecimento nacional que da último dia 14 foi datada a partida do comediante Shaolin. Muito vistos foram pronunciamentos de ícones da mídia popular, principalmente nas redes sociais. O artista era paraibano, merecendo também ênfase as homenagens de provedores de cultura e do povo regionais. Adicionalmente as disparidades nas relaçôes humanas elementares entre quem está dentro e fora do showbiz expostas pelo desenrolar da luta do humorista contra sequelas de um acidente rodoviário quando se compara o caso com o de celebridades que estão na posição oposta, quer dizer, como praticantes de imprudências que vitimaram pessoas comuns.

Campina Grande, Paraíba. Janeiro. Nesta cidade se apoiou a carreira de Francisco Jozenilton Veloso nos primeiros passos até saltar para a grande mídia que o projetou a nível nacional. E nela Shaolin terminou sua vida por inteiro, após parada na frutuosa carreira, porém com expectativas de retorno, resultante do acidente no mesmo solo que lhe diminuíra as aptidões físicas e mentais também no primeiro mês de 2011.

Não era esse aglomerado urbano berço natal de Shaolin, posto ocupado pela desconhecida Coremas, também paraibana, no Vale do Piancó. O lugar teve foco à beira do nulo na imprensa local e nacional. Desta era previsível tocar do lugarejo apenas o nome em algumas notícias {10}{11} vista sua pauta cheia até a tampa de inúmeros assuntos e lugares brasileiros e exteriores a que lhe cabe trazer à tona a ponta do iceberg no conhecimento dos fatos. A infância e a adolescência foram tempo suficiente para que o animador deixasse sua marca naquele solo antes de partir para início de carreira numa das cidades mais importantes do estado também tradicional por suas festas juninas, igual a Caruaru, em Pernambuco. Um rico material para a mídia da área, como os sites Portal Coremas, Catingueira Online, Pombal Alerta (de homônimas cidades vizinhas) e Vale do Piancó Notícias (servente à região toda). Porém a relação diretamente proporcional entre a quantidade de acessos e os ganhos das empresas lhes pode ter servido como desestímulo no garimpo destes conteúdos, exóticos às comuns notícias policiais sangrentas que nos lugares interioranos atraem mais a necessidade de comparecimento dos repórteres às cenas sob a demanda do povo acostumado a maus gostos pela televisão aberta nacional, que também deve lhes ter influenciado no tocante ao que preferem ver sobre o conterrãneo.

Na divisão administrativa e social que vira nascer a carreira de Shaolin, a imprensa junto com o povo foi grata pela projeção frente ao resto do Brasil que o Nordeste ganhou com esse e outros profissionais do riso, fruto dos impulsos iniciais dados por algumas das empresas midiáticas. No tempo iniciado com a confirmação de que o ícone do humor finalmente começava a descansar na sequência da batalha pelo recomeço após o acidente {1}{2}{3}, passando pelo velório até dar no instante em que se teve de aprender a dizer-lhe adeus (como na canção de Leandro e Leonardo, este último que integrava as imitaçães do comediante) {4}{5}{6}, os meios informativos dentre os quais o Jornal da Paraíba, Paraíba Online e TV Paraíba em sua própria linguagem escrita, fotográfica e audiovisual curvaram-se à influência que ele por lá mantinha sobre a sociedade e a cultura locais que não foi na mala durante as aparições na mídia paulistano-carioca e em definitivo se fixou após o início do drama vivido pelo artista, família e amigos.

A necessidade de esforços para se reerguer incorporou-se ao cotidiano de Shaolin como resultado de queda após tropeço em uma pedra surgida em sua rota, um caminhão que abalroou seu carro na BR 230, em Campina Grande. A acusação ao caminhoneiro de ter avançado para o sentido da pista por onde seguia o promotor de entretenimento naquela noite de 18 de janeiro de 2011 teria de potencial atenuante rumores de alta velocidade que a vítima desenvolvia {7}. Mas a fuga do local da colisão sem a tomada de procedimento algum (como o acionamento imediato de autoridades médicas e policiais) pode ter composto o mérito da rigidez judicial que mantém o causador dos fatos no xadrez {8}. Shaolin, na qualidade de ser humano e trabalhador com valiosa função, similarmente a qualquer um de nós, merecia uma prova de que sua atribulação não ficaria por isso mesmo, direito atendido. De que tal consciência, caso tenha ela sido aproveitada, valeria nas mãos da Justiça na hora de decidir sobre o futuro do transportador de mercadorias se a pessoa famosa a quem prejudicou não gozasse do do dito status?

E se o papel das personagens (ou qualquer anônimo no lugar do condutor do poçante cargueiro) estivesse ao contrário? Depararíamo-nos com um novo Caso Renner? O cantor sertanejo fechou 2014 com um rolê numa delegacia da capital paulista após pequeno acidente enquanto dirigia movido a álcool {9}. Não era para um ser desses continuar tendo direito ao volante na sucessão do duplo fatal atropelamento que provocou com seu pé de chumbo em 2001, o que também se embasa nos registros de multa em seu nome após a tragédia. O melhor juiz do caso foi Rick, quando escolheu pelo fim da dupla para não mais se queimar com a cegueira que a fama trouxera a Renner quanto à responsabilidade social, incapacitando-o de diferenciar um banco de motorista de um assento sanitário.

Acolher casos envolvendo, seja no papel de vítima ou infrator, Ídolos da mídia ou quaisquer indivíduos que tenham superior prestígio social é prova de fogo para a eficiência dos setores legais do Estado. Por muitas vezes seu desempenho é reprovado em consequência de apresentar contaminação por vírus que leva certas pessoas "comuns" a cultuar estas figuras sem bases racionais. No apego a aparências está o sustentáculo de condenações e absolvições desbalanceadas na rigidez (para mais ou para menos) que exerce influências negativas até a quem é esperto de ficar fora de referido culto à personalidade. O fenômeno é um regime hegemônico pilotado por meios de comunicação "popular" que aproveitam seu longo alcance dentre a massa para guiá-la em supervalorizar os atributos espetaculares dos artistas face aos humanos, obtendo retorno financeiro com os perfeitos rótulos dos produtos sem resistências muito expressivas dentre o povo, não instruído genuinamente em termos de personalidade e cultura pelos governantes, cúmplices do pouco vantajoso panorama. A sentença condenatória aos dois responsáveis é apenas um elemento das tentativas de vencer essa atmosfera ignorante. O outro é o cada vez mais possível, graças à informatização atual, esforço nosso para mudar o quadro acessando mídias alternativas, que apresentam vários lados de um assunto.

(Veja republicação na Folha de Dourados.)

Comentários

  1. Victor ...
    Concordo com você sobre Shaolin, pois era um grande humorista,mas a maioria do povo brasileiro não costuma valorizar os nosso ídolos. Uma pena por que ele merecia um especial falando sobre a trajetória do que fez na TV e a Record deixou passar em branco, como sempre pecou por não valorizar um grande artista brasileiro.
    Abraços sempre..
    Luandabela.

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    Respostas
    1. Oi, Luanda!
      O foco deste artigo foram os aspectos do fato segundo o que registrou a imprensa da Paraíba, de onde ele era. Uma comparação entre como o assunto foi tratado na mídia local e na nacional. O primeiro plano foi o que mais me chamou a atenção.
      Obrigado por registrar sua audiência! Veja os novos textos que eu vim publicando e as explicações das minhas jideias e minha trajetória até agora (em "Página Principal", "Minhas ideias" e "Minha história", respectivamente).
      Um beijo!

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