Inversão trágica de papéis: jornalistas que viraram notícia

Não é incomum ocorrerem durante transmissões jornalísticas em rádio e TV ao vivo (pior ainda quando em ambientes externos) vexatórios imprevistos que desviam o trabalho da característica seriedade que o norteia. Quantos indivíduos do tipo "Cidão" (como se refere um palestrante a alunos que vão à escola no intuito de "se aparecer") já ganharam seus desejados minutos de fama fazendo gracejos para uma câmera em ocasiões inoportunas? Filmagens, assim como câmeras de segurança, pouco intimidam bandidos, caso do elemento que assaltou uma repórter e um cinegrafista da TV Tribuna, parceira da Globo no litoral paulista, além do entrevistado em abril no Guarujá. Mas pela cabeça de alguém já passou a ideia de que profissionais da comunicação poderiam "do nada" ser assassinados aos olhos dos telespectadores antes de assim terminarem as carreiras da repórter Alison Parker e do camearaman Adam Ward no dia 26? Mais dois números – junto a Vicki Gardnar, líder de uma câmara de comércio local do estado da Virginia, sobrevivente ao também ser atacado pelo atirador Vester Flanagan durante uma entrevista ao ar livre com os comunicadores da TV WDBJ – nas desgostos as estatísticas acerca dos efeitos da liberdade de armamento popular estadunidense, defendida e pretendente a ser importada por gente daqui.

Umas 1500 vezes já vimos este filme, cuja fita está tão gasta que isso até reduz a carga sentimental que transmite ao mundo! Os adolescentes Eric Harris e Dylan Klebold tinham total segurança sobre seus objetivos ao perpetrarem o massacre na escola Columbine em 1999, primeiro crime nesses moldes a repercutir estrondosamente. A saga "Revolte-se, Planeje, Mate Quantos Puder e Mate-se" deixa no chinelo fenômenos infanto-juvenis como Harry Potter e Crepúsculo por serem seus princípios imortais no tempo estando aproximados à realidade de muita gente, parte da qual estende o prazo de duração da série impondo terror em seus locais de estudo e trabalho dentro dos EUA (caso de Cho Seung-hui, sul-coreano que matou 32 pessoas em 2007 na Virginia Tech, universidade cujo nome indica ser localizada no estado onde tal barbárie se repetiu com o pessoal da TV) e em qualquer lugar para onde é exportada essa influência (não dá para esquecer o Massacre de Realengo, no Rio).

Variam diversamente em nossa espécie, não se diferenciando das outras, as características de seus membros, desde boas, ruins ou "neutras" às individuais ou divididas entre grupos. É de se aguardar desentendimentos entre portadores das variadas peculiaridades, o que, de um lado, suaviza os desequilíbrios sociais provindos de escolhas individuais mal eficaz à coletividade, entre elas o crime, por exemplo. Cabe nessa relação o conjunto de hostilidades para com costumes ou aparências diferenciados através dos quais aprendemos lições incorporadoras de interessantes valores a nosso cotidiano ou os que, mesmo não exercendo muita influência coletiva, satisfaz quem a eles adere, atitude inerente, dentre outras categorias de pessoas, aos adeptos do bullying que, achando estar fazendo inofensivas brincadeiras ou mesmo tendo pretensões malignas, tentam introduzir seu ponto de vista quanto a algum aspecto físico ou comportamental na mente de seus semelhantes na escola, faculdade ou trabalho que a ele se vincula às custas da ruína de sua autoestima.

Contra atentados morais que sofreu durante o tempo em que foi jornalista na WDBJ e em seus outros empregos por ser negro e devido a controvérsias acerca de sua sexualidade, Vester Lee Flanagan dispunha de ajuda policial e judiciária, sem dúvida operando nos Estados Unidos num padrão mais decente, a que igualmente tinham acesso seus antecessores em comum na forma de justiça que escolheram, segunda opção dada pelo governo do país. O convívio entre a alternativa humanamente correta e a justiça com as próprias mãos permite com certeza uma distinção dos perfis de quem envereda-se para cada caminho, o segundo adequando-se mais a mentes insanas que induzem ao uso impulsivo das armas, compradas legalmente sem grandes obstáculos e restrições de modelos, não recorrendo esses atiradores a esmo a revólveres, e sim pistolas (Flanagan usou uma Glock para atacar os ex-colegas e atirar em sua própria cabeça, o que resultou em sua morte num hospital) ou até rifles e fuzis.

Já existindo aqui no Brasil limites em relação à idade, status perante a lei e as observações acerca das tendências comportamentais dos pretendentes à posse de dispositivos bélicos – o que na Virginia vem motivando desde a carnificina universitária de 2007 propostas de ordenamento das disposições sobre o tema vindas de ao menos nessa parte boas lideranças políticas, porém logo soterradas por segundos interesses de outras – e grandes estragos sociais causados por itens dessa natureza trazidos ilegalmente das fronteiras com Paraguai e Bolívia, o que mais nossos partidários do livre armamento querem com a importação desse mau costume vigente nos EUA? Qual o tipo de confusão comprada por muitos malandros que justificam "defesa própria" como razão para portarem os "berros", "canos", "peças" ou "ferramentas" com os quais costumeiramente são apanhados durante rondas policiais comunitárias do norte ao sul? Esta miúda mas abrangente lista de setores populares a terem ganhos com um fácil acesso aos instrumentos mortíferos impondo preço disso à maioria de bem e entendida sobre as consequências em que implicam suas iniciativas não estaria completa se fossem deixados para trás Wellington Menezes de Oliveira, que a 7 de abril de 2011 reproduziu na escola Tarso da Silveira, no bairro carioca do Realengo, as façanhas de seus "irmãos" estadunidenses e todas as pessoas que frequentaram arquivos e noticiários policiais por terem tirado vidas valendo-se de motivos minúsculos a exemplo de dois rapazes que no dia 6 do mês passado em Florianópolis (SC) desentenderam-se por uma pipa cuja destruição por um dos envolvidos levou o indivíduo que a empinava a pegar outro "brinquedo" e balear mortalmente seu opositor do qual ainda recebeu golpes de faca antes de morrer.

Estados Unidos, nação avançada o bastante (fenômeno verídico na educação), "isenta de violência e políticos canalhas". Estigma em decaimento devido ao impacto mundial de muitas tragédias armadas e praticamente morto na consciência de pessoas interessadas em aprofundar seus conhecimentos, percebendo através das mídias do país a infiltração da violência na rotina de seu povo em nível similar a Estados subdesenvolvidos, o meu caso. Fosse assim a livre guarda de armas nada significaria na segurança pessoal da população, protagonizando na verdade as incorreções no resguardo físico e psíquico da coletividade. Os estudantes das escolas anteriormente frequentadas por Alison e Adam que receberem bolsas de estudo em homenagem aos ilustres ex-alunos por envolvimento em projetos de jornalismo ou fotografia serão talvez um dos poucos grupos com expressiva força para induzir no futuro a um despertar político favorável a mudanças nas questões armamentistas ao perpetuarem rumo às seguintes gerações o legado que as mais novas vítimas deixaram.

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