Índio brigar por terra. De novo?

Nosso território foi sempre o foco dos enfrentamentos entre índios, seus legítimos ocupantes, e as populações derivadas dos colonos portugas e de quem mais eles e seus descendentes que nos governaram para cá trouxeram, motivo que abafa entre os primeiros e a grande maioria originada dos segundos a graça da comemoração da Independência, incompleta para todos na prática. Muitas dessas áreas de conflito se localizam aqui no estado, onde os desentendimentos verificados nas últimas semanas nas cidades de Douradina e Antônio João (na qual morreu um indígena no anterior dia 29) entre nativos Guarani-Kaiowá e fazendeiros não passam de dois a mais na listagem de formas como a economia e a sociedade pagam o preço da inaptidão das autoridades "competentes" em esclarecer bem onde começam e acabam as áreas de interesse de ambos os lados.

Tão desperdiçado o tempo segue sendo que não repõe por si só chances de conciliação entre os governantes e competidores! Os mais recentes embates pelos direitos, tão legítimos um frente ao outro, ao desenvolvimento da lida com bens agrícolas pelos ruralistas e à maior proximidade dos índios com as heranças de seus antepassados não esperaram 2 anos para se suceder! Vide o conflito em Antônio João que já tem a marca de uma baixa do lado indígena e as hostilidades em Douradina, perto aqui de Itaporã, os confrontos que em 2013 feriram de morte o nativo Oziel Gabriel numa disputa por territórios da fazenda Buriti em Sidrolândia e o até hoje (desde 2011) não encontrado cacique Nísio Gomes, de uma comunidade terena em Aral Moreira. Nos tempos anteriores, menos conturbados, algumas das célebres vítimas foram o líder kaiowá Marcos Veron, de Juti, em 2003 e o representante da etnia nhandeva Marçal de Souza, cujo nome acabara batizando uma aldeia surgida na zona urbana de Campo Grande. O buraco, porém, é mais fundo, compreendendo o desprezo partido do regime militar e todos os atentados de que foram alvos esses povos desde a vinda dos portugueses, perdendo-se imenso contingente de membros.

Marcou presença nas duas novas investidas e algumas das antecessoras o emprego de exageradas e irracionais forças em ambas as correntes lutadoras a fim de direcionar a atenção do Estado, da imprensa e da sociedade inteira para suas sinceras reivindicações. O certo estão fazendo, não do jeito certo, porém!

Afugentando acompanhados de um batalhão de seguidores em caminhonetes (seguindo-se a supostos combinados via mensagens telefônicas) índios agrupados em dois sítios de Douradina na última semana, o que não deu aos segundos alternativas de manifestação a transferir suas atividades para um espaço sem vínculo com elas usado por inocentes com o bloqueio de estradas, os produtores responsáveis pelos empreendimentos (para os nativos, a aldeia Panambi-Lagoa Rica) apresentaram-se aptos a também pôr a mão na massa para complementar as terceirizações que seu grupo historicamente exerce para garantir que a mesma tenha a ideal consistência guiando para si os mecanismos de trabalho dos domináveis órgãos "públicos" aos quais gordas propostas monetárias ou a ocupação dos cargos por aliados destes interesses bastam para emperrar os processos demarcatórios. O apaziguamento mediante membros da FUNAI e efetivos de polícia não passou de tentativa, não concluída segundo as duas partes desejavam. De penoso modo os proprietários comandaram o contorno do problema, não dando olhos, ouvidos e consciência para as vulnerabilidades (já que agora figuram como réus em processo investigativo do Ministério Público Federal) a que foram entregues transgredindo-a, tão insatisfeitos quanto seus adversários com a falta de um futuro otimista quanto ao repartimento dos territórios.

Dessa ninguém saiu ferido ou vítima de quaisquer violações de direitos, embora circulem rumores de membros da comitiva motorizada terem feito disparos com armas. A movimentação da "tropa" rumo às terras de desejável reconquista dispensou um confronto conseguindo alcançar seu valor em possível consequência de refletir defronte aos indígenas a sombra do destino a que lhes conduziria, experimentado antes pelos grupamentos de Antônio João dos quais alguns componentes foram lesionados a bala, resultando na morte de um deles, Semião Vilhalva. Os produtores de lá determinaram-se a retomar o que a eles pertence valendo-se de suas próprias forças na sequência de uma reunião no sindicato rural da cidade. Nossa! Parece que chegamos ao ponto onde as coisas encaixaram-se "da maneira esperada"! Tal órgão antes vinha empreendendo uma guerra psicológica com vista a chamar fazendeiros e a população toda para reprimir mais fortemente as comunidades indígenas apoiando as campanhas agressivas na geral absorção de monstruoso perfil assimilado aos originais brasileiros através de boatos como invasão e incêndio à cidade pelos filhos da terra. Caso esse terrorismo estivera no script do encontro objetivando o aperfeiçoamento das práticas, a atmosfera surgida não dava pistas de outro desfecho. Sobram prestígios materiais enquanto a inteligência anda escassa para muitos agropecuaristas que ligam a melhoria do nível socioeconômico de um país à total ou parcial repressão a comunidades julgados inferiores aos padrões dominantes, regra na qual não se incluem os Estados Unidos, que minimizaram o contingente indígena durante sua expansão territorial e fornaram-se a atual superpotência financeira e geopolítica mesmo mantendo em seu espaço os negros, outra categoria (ainda hoje) estigmatizada que quase levou igual fim nas mãos da Ku Klux Klan e similares movimentos.

Dentre os alegados verdadeiros donos das terras, com grande possibilidade de as coisas assim terem ocorrido em velhos tempos, está desnivelada a maneira de sinalizar frente aos políticos e à mídia o valor de suas reivindicações. Única equipe de imprensa cuja entrada foi permitida nas 5 fazendas ocupadas pelos índios de Antônio João, jornalistas do Campo Grande News constataram danos nas sedes das duas fazendas recuperadas pelos donos no confronto que levou Semião à morte, e os nativos presentes nas outras propriedades (possíveis empregados) cuidando até do gado oferecendo-lhe alimento transportado para os cochos em tratores. As iniciativas de inclusão social indígena dão passos à frente sem maiores medidas ao intercalar-se com com as forças regressistas desse choque comportamental entre indivíduos de um mesmo grupo, sendo mais absorvida por muitas mentes brancas a visão dos nativos como adeptos da filosofia black bloc – oa mais recente de nossas pavorosas influências a eles, mais associáveis ao emprego de arco e flecha, elemento cultural próprio.

Sem competentes e honestos altos representantes nas duas categorias rivais, tendo os índios a seu dispor instituições de fraco desempenho favorável, desse jeito, à capacidade dominante da classe ruralista que atinge inclusive os encarregados de equilibrar a vontade coletiva, percebam o grau de benefícios da repartição entre os reclamantes das terras a que têm direito, cujo tamanho, assim como a população de verdadeiros habitantes, são menores (exceto na Amazônia) que na época em que os portugueses aqui se fixaram, postos a perder! Conhecida a existência entre os descendentes dos primeiros brasileiro de indivíduos aptos inclusive a dirigir tratores – muito provavelmente esses modernos – graças ao acesso de muitos a cursos técnicos governamentais, projeta-se a dimensão das conquistas que por esse grupo esperariam sem demora por causa do aumento em sua participação em nosso desenvolvimento socioeconômico.

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