Recriação inoportuna

Em Campo Grande, nossa capital, o Parque Florestal Antônio Albuquerque, o Horto Florestal, teve quebrado pela Prefeitura o jejum de atenção sob o qual esteve por mais de 10 anos, tempo em que foi um point para marginais, moradores de rua e drogados, depósito de lixo e até local para desova de cadáveres, dos quais a recente descoberta de um em março foi o ponto de partida para esta decisão do Executivo, propondo reformas e limpeza na área. As edificações do terreno formadas por tijolos não rebocados receberam pintura e as grades que o cercam ficaram azuis em detrimento ao verde que combinava com a cor da vegetação. Embora houvesse a parcela populacional que aprovara os ajustes, estão eles no centro de uma polêmica por prejudicarem o tombamento do espaço, ideia do vereador Eduardo Romero (PTdoB), considerando a importância histórica e ambiental da estrutura.

Que os encarregados de investigar o rebuliço – o MPE (Ministério Público Estadual – atirem as pedras dispostas à sua frente se for livrado desta acusação o tortuoso contexto que hoje submerge a Cidade Morena no espectro político! Muito admirados ficaríamos vendo o governo municipal vigente tratando a restauração deste patrimônio com grande zelo não visto nem nos ramos prioritários por falta de dinheiro suficiente em caixa. Basta lembrar o caos que domina a saúde e a educação, à rotina dos quais começou a se integrar o insucesso no atendimento ao público, o que pode se agravar no segundo setor diante das 300 baixas prestes a comprometê-lo após a Prefeitura anunciar demissões.

Podendo estar se fazendo em formato igual nos serviços básicos, os reparos estão em curso com um orçamento enxugado, no início previstos R$ 2,5 milhões para a cobertura das despesas, valor suprimido depois para R$ 300 mil. Aconteceu que surgiram indícios de complexidade das demandas da obra – envolvendo o cuidado com os tijolos, intensamente colonizados pelo mofo com o escorrer do tempo, sem avanços mesmo sendo aplicado um produto removedor de sujidades que, portanto, dispensaria pinturas, conhecido por "verniz naval" –, os quais teriam mostrado à Prefeitura os limites a que chegou sua funcionalidade por não aproveitá-la de melhores maneiras, situação representada pela provável desistência do órgão nas consultas ao criador do projeto original do Horto, o arquiteto Élvio Garabini, com quem chegou a combinar contatos não promovidos, apelando à obviamente "única alternativa restante", a pintura convencional dos pequenos blocos, que não findará com sua degradação. Para o caso das grades, que estavam aptas à preservação da cor natural e provavelmente necessitariam apenas de restaurações nos pontos com ferrugens e outros desgastes, não estaria no dinheiro a origem da improcedência, pelo menos no volume disponibilizado – obrigatoriamente encaixável nestes simplórios exercícios –, da qual se perdeu o valor com os erros operacionais e esses perceptíveis resultados paralelos aos relativos benefícios que implicaram ao restrito grupo dos autores.

A culpa pelos destratos ao aparato arquitetônico componente de grande valia da história campo-grandense não se concentra toda sobre o gigante espaço vago nos depósitos financeiros públicos por este não ter dependido de si mesmo para se manter e expandir até o presente período. Ao analisarmos o tempo transcorrido desde o momento do ano anterior em que se iniciou as atividades para o tombamento da área verde e das construções sobre ela situadas, não encontramos evidências de adequado empenho nos processos de tombamento desde seu princípio, mediante o emprego de profundas análises na estrutura do referido bem, a partir das quais poderia ser levantado o valor preciso para reverter o quadro de crônico descaso e, consequentemente, basear ações para garantir sua disponibilidade monitorando a movimentação monetária do Executivo a fim de preparar-se para dar o bote quando forem detectadas anomalias.

Bem sintetizada por Roberto Figueiredo, ex-diretor da Secretaria Municipal de Cultura, no que escreveu ao compartilhar nas redes sociais imagens do repaginado, recauchutado e lipoaspirado Horto Florestal, foi a relevância do significado da perda de identidade física ("cara" – nas palavras do próprio – pela qual o espaço passou em nome da limpeza. É fato: limparam além do que deviam! Se não houver intervenções – caso isso ainda consiga remediar o que foi mal feito – as próximas gerações se sujeitarão a prejuízos no entendimento da história da capital por conta dos conflitos passíveis de se desencadear em suas mentes entre o que é aprendido na escola ou através de parentes (pais, avós ou bisavós) e o que é contemplado nas vivências cotidianas. Imperícia conjugada nos três tempos: não há preocupação com o presente e nem o passado escapa do desinteresse público, reservando ao futuro da população um desempenho não diferente do desenrolar a que tudo isso condiciona.

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