Trabalhadores livram-se temporariamente de rotina degradante

No dia 20 do mês passado uma unidade da empresa de telemarketing Contax no bairro de Santo Amaro, em Recife, Pernambuco, a maior do país, responsável pela prestação de serviços a bancos e operadoras de telefonia, foi interditada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por não oferecer as devidas condições de trabalho a seus mais de 14 mil funcionários. Durante o expediente de seis horas, eram estabelecidas metas inalcançáveis e oferecidos a eles poucos minutos para usar o banheiro e fazer as refeições, muitas vezes trazidas de casa devido ao baixo valor do ticket oferecido para a compra de alimentos e armazenadas de forma inadequada por causa da falta de geladeiras. Quem não cumprisse com os prazos cronometrados era punido por meio de descontos nos salários. E os empregados ainda tinham de dizer aos consumidores que efetuavam ligações somente o que era determinado por um "script". Dois dias depois a empresa conseguiu autorização para retomar suas atividades graças a uma decisão da 14° Vara do Trabalho, que acatou o pedido sob o argumento de que a entidade é a maior geradora de empregos da capital e a interdição poderia resultar na perda de contratos de prestação de serviço, cujas consequências seriam as demissões. Porém, não há comprovação de que as irregularidades foram corrigidas, segundo Cristina Serrano, uma auditora fiscal do Ministério do Trabalho.

Fatos dessa espécie, pelos quais com certeza não são privilegiados somente os funcionários da Contax de Recife, compõem parte da raiz sobre a qual desenvolve-se a má relação entre os consumidores e os canais de comunicação com representantes das empresas fornecedoras de produtos e serviços geradores de dúvidas ou reclamações. A tendência é a responsabilização é a responsabilização dos envolvidos diretamente na produção ou venda dos bens por parte dos clientes e autoridades, atentando-se pouco para outro participante do processo, as empresas de telemarketing, a quem os primeiros muitas vezes recorrem intermediar o relacionamento com os compradores sem grandes gastos, consequência que se manifestaria se pretendessem montar e manter seus próprios sistemas de comunicação. A origem das demoras e outras deficiências nos atendimentos telefônicos pode estar, em certos casos, nessas práticas adotadas pela companhia de call center já citada e às quais podem ter aderido algumas concorrentes, acabando por ter em comum os métodos dos quais fazem uso para adquirir mais fácil e rapidamente benefícios aos administradores, apenas para os quais a palavra tem sentido, tanto por esse fato de atingirem só os patrões, dando aos funcionários, aos contratantes e seus consumidores o acesso a migalhas — quando há sobras — como em virtude de essas conquistas não serem de graça, já que estariam muito distantes da realidade se os chefes não apelassem para estas santas medidas baseadas na exposição dos trabalhadores a situações que os obrigam a desenvolver suas tarefas ultrapassando os limites do corpo e da mente.

Diante disso tudo, o MTE agiu conforme sua função, mas seu trabalho foi impedido logo no início, o que eliminou a esperança de alcance dos objetivos, graças à forma como procedeu o setor trabalhista da Justiça recifense. Este não agiu em total acordo com sua fina semelhante à do órgão federal, pois também deveria ter como foco de sua atuação os direitos dos trabalhao dores. A instituição judicial permitiu o retorno das atividades da Contax sem averiguar a documentação e a estrutura física da empresa para descobrir se as mesmas passaram ou não pelas adequações necessárias e usou como único argumento para defender essa atitude a enorme quantidade de pessoas empregadas pelo call center, sua importância para a economia da capital pernambucana e as desastrosas consequências da interdição.

Esses efeitos de fato são possíveis, mas o tamanho da empresa não deve ser considerado como um aspecto que permita comportamentos dos patrões semelhantes à escravidão e a enorme massa de funcionários, considerada apenas um enorme número que movimenta o setor de serviços da cidade. É importante uma resposta geral desse ministério, no sentido de atingir tanto esse estabelecimento da Contax em Recife quanto os demais ligados à mesma companhia e outras no resto do país. É necessária uma varredura por todas essas empresas, a aplicação das penalidades às que não estiverem fornecendo aos empregados o tratamento exigido pela lei e a tomada de medidas para evitar que os infratores consigam escapar impunes, sensibilizando a Justiça local a respeito dos abusos cometidos, que podem até elevar o valor do patrimônio dos administradores, mas têm resultado contrário sobre o rendimento dos trabalhadores e a saúde física e mental dos mesmos e seus familiares, consequências estas que não têm os impactos reduzidos pelo salário, por mais alto que seja (quando são cumpridas as muito exigentes metas), motivo pelo qual, em caso de interdição temporária ou definitiva das entidades, é também indispensável a facilitação do acesso destes a tratamentos médicos e psicológicos e projetos que, por meio de cursos técnicos, criam oportunidades de ocupação de vagas em firmas da mesma área ou de diferentes setores capazes de enxergar sua mão-de-obra como seres humanos, reconhecendo no respeito a seus limites físicos e emocionais a melhor chave para o sucesso diante dos clientes, o mais importante por corresponder às reais funções das firmas. Por fim, as empresas de todos os segmentos que terceirizam serviços de telemarketing precisam ser alvo de campanhas com o intuito de informá-las a respeito da necessidade de monitorar as condutas dos responsáveis pelos sistemas de comunicação que contratam. Ao não tomarem providências diante das irregularidades nos call centers, os contratantes viram cúmplices e vítimas, nesse último caso, junto com consumidores, que em nada contribuíram para receberem atendimento em padrão de qualidade mais baixo do que mereciam!

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